o fim do mundo

Numa das últimas quintas-feiras, ao almoço, garantiram-me que o mundo estava a acabar. Até aí tudo bem e não fiquei surpreendido, já o sabia, vem em todos os números do Sentinela. Mas a minha amiga relacionava o número da besta a um chip electrónico que todos teremos que usar brevemente, na testa ou num dos dedos. Fiquei desiludido. O mundo vai acabar, pacificamente, e eu vou ter que usar um chip na testa (num dedo parece-me pouco prático – a mim, que uso muito os dedos e pouco a testa).

De todas as maneiras do mundo acabar, pacificamente e com um chip na testa é a menos digna. Sempre gostei de imaginar que o fim do mundo seria caótico, com toda a gente na rua, a correr de um lado para o outro, aos gritos de porquê: Porquê? Porquê!?... Um, homem de cabelo grisalho, erguendo a mão que segura o que parece ser um pergaminho e tonitroando: Outro! Outro! Tirei outro curso de engenheiro, agora mesmo! , e esbarra contra um senhor que conta, um, dois, três!, fui ilibado. Um, dois, três! Já não sou pedófilo! …

Nas montras, televisores ligados, transmitem o último programa de José Luís Gocha, em que, este, com uns óculos modernos e uns dentes último modelo, veste uma camisa indescritível sob um casaco impossível de descrever e só desculpável porque o mundo está, de facto, a acabar. E sorri. Sorri para uma senhora gorda, com buço, a quem o marido nunca deu o verdadeiro valor…

Nas estradas, acidentes por todo o lado, já que a maioria dos condutores parece fazer uso da sua carta de condução angolana; mesmo assim alguns peregrinos que caminham em direcção a Fátima, marcham quase pelo meio da estrada, com estandartes na mão, vestindo coletes reflectores e sustentando uma alegria contagiante, como se gritassem, em vão, mas cheios de esperança de que para eles o mundo não acabasse: Oh, Jesus Allez!!! Oh, Jesus Allez!...

É assim que eu sempre antevi o dia do juízo final, não porque simplesmente prefira o caos, mas porque não há razão para que o fim da humanidade não seja um dia… igual aos outros. Pois não?